domingo, 28 de agosto de 2022

Coisas que não há que Há - Um poema, em vídeo, com todo um programa dentro

Daniel Lousada  

Um poema de Manuel António Pina para projectar o ano escolar: descobrir no programa "coisas que não há que há" e que "já houve e já não há", e todo o conjunto de coisas que andam por aí ... Fazer com o programa um roteiro de viagem e, como diz Rui Grácio, seleccionar aquilo que procuramos encontrar com ela.[1]


Se eu fosse professor outra vez, lia e dava a ler este poema [Ver vídeo], no primeiro dia de aulas, e procurava contaminar o programa, que tivesse para dar, com ele – contaminar de poesia, já se vê!

Há tantas coisas bonitas que não há. E não há, não apenas por não existirem, mas porque, muitas delas, andam algures por aí, sem se dar a conhecer, por alguém que as conheça.

A escola bem que podia ser um lugar de procura de tudo o que não há, por não sabermos que há; «de tudo o que eu nem posso imaginar / porque se o imaginasse já existia / embora num lugar onde só eu ia...»

Uma coisa me põe triste, desabafa Manuel António Pina a abrir o seu poema. Uma coisa que se transforma em tanta coisa, à medida que o poema avança e que podemos tomar como porta de entrada nos programas escolares, contaminando-os de poesia. Porque, afinal eles estão cheios de coisas que não há que há, porque à espera de se revelarem: «bichos que já houve e já não há / livros por ler, coisas por ver, /.../, pessoas tão boas ainda por nascer!»

De certa forma, vejo este poema como um roteiro a convidar-nos a encetar uma viagem na busca de coisas a descobrir. Quer dizer, a partir das leituras que fazemos do programa, ir à procura de tudo quanto ele tem para revelar. Então, nos primeiros dias de escola, ocupar-me-ia a fazer visitas guiadas ao programa. E, nestas visitas, aconteceria, certamente encontrar lugares já visitados [«lembranças de que não me lembro»] a pedirem novas visitas, outros a provocar desconfiança, contaminados por experiências mal sucedidas, e outros ainda que nem sabíamos que existiam, a provocar sentimentos a variar entre a curiosidade e a indiferença.[2] E a estas visitas aos lugares que somos todos obrigados a conhecer, juntaria propostas de outras visitas, sugeridas pelos interesses dos alunos: «tudo o que eu nem posso imaginar / porque se imaginasse já existia / embora num lugar onde só eu ia...». 

Nada disto é novidade. Há muito que muitos professores(as) fazem leituras do programa e convidam os seus alunos a falar do que gostariam de conhecer. Às vezes [muitas vezes, por sinal], acontece este ou aquele interesse demonstrado substituir um item do programa, porque responde ao mesmo objectivo. Aliás, um dos segredos da gestão flexível do currículo está aqui: nesta possibilidade de conciliar interesses particulares, com as obrigações colectivas que fazem o programa. Mas isto implica não fazer do manual escolar o programa, e ajudar a fazer, de cada interesse particular demonstrado, um projecto pessoal a partilhar.

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[1] Uma das dificuldades que podemos sentir em programar uma viagem consiste na selecção daquilo que procuramos encontrar com ela. In: Não percebo Poesia. Coimbra, Grácio Editor, 2013.

[2] Precisamente aqueles conteúdos para os quais mais precisamos que encontrar forma de captar a atenção do aluno. Porque para o que nos é indiferente não estamos nem aí.

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