«Mesmo que mais ninguém leia, vale mesmo a pena escrever, porque faz com que nos tornemos leitores de nós próprios» — leio em “Como escrever”, de Miguel Esteves Cardoso [*]. Uma prática que cultivo, porque me incutiram o gosto pela escrita como forma de pensar. «Porque escrever é a única maneira de saber (ver) o que está dentro da cabeça» — leio também em M. E. Cardoso. Eis uma bela ideia para a qual a escola, por falta de condições, certamente, tem tido dificuldade em associar a uma prática.
Na escola (ou em casa, quando escreve para a escola), o aluno escreve para o professor, quase sempre. Mas esta não é a escrita mais importante. A escrita que importa (importa mesmo), que forma escreventes e dá prazer, nascida daquele "desejo de escrita", de que fala Sophia de Mello Breyner, é a escrita que o escrevente começa por guardar para si; que não escreveu para A, B ou C… e só liberta quando, lendo o que escreveu, conclui: “é isto. É isto mesmo que me andava nos miolos e eu não encontrava forma de ver e dar voz [**]. Haverá alguém a ver o mesmo que eu, ou, não vendo, eu consiga, com este texto, que possa ver? Ou, então, quem sabe, me diga que estou errado, ou não é bem assim e me faça ver de outra forma?”.
Freinet, com a instituição do texto livre, foi, talvez, quem mais colocou esta prática no horizonte da escola.
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[*] Miguel Esteves Cardoso, Como escrever, Bertrand Editora, Lisboa, 2024
[**] António Lobo Antunes dizia: «Me anda na cabeça mas não me chega aos dedos. E os miolos não pegam na esferográfica».
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