![]() |
| CLICAR PARA OUVIR >>> |
Reconhecendo o perigo das redes sociais, «a Organização Mundial de Saúde sublinha que os jovens precisam dominar as redes sociais e não deixar que as redes sociais os dominem». Precisamos, portanto, de capacitar os jovens para a resistência. O caminho não é óbvio, «tanto mais que muitos deles já estão condicionados pelo tipo de prática que têm tido» [1].
Leio Distância, um poema de João Habitualmente, e, talvez porque me encontro agora com ele na página do facebook do poeta, dois anos depois de o ter lido no livro, vejo-o como uma espécie de hino à resistência, manifesto contra a alienação, a sedução fácil, à qual jovens e menos jovens se deixam agarrar, principalmente no mundo destas ditas redes sociais, para o qual parecem transferir uma parte importante das suas vidas. E, seguramente influenciado pelo verso «O poema ensina a cair», de Luiza Neto Jorge [2], surpreendo-me a dizer: o poema ensina a resistir.
O poema pode mesmo ensinar a resistir, ser acto de resistência, para o qual é importantíssimo ensinar a olhar. Ensinar a dizer, por exemplo, «Cansei-me das pequenas glórias / (…) de me dizerem quem sou / (…) / a nada mais aspiro / do que à distância / (…) / lugares longe / (…) / que não haja / o que a silhueta fátua e o / aplauso / me andaram a roubar ».
Iniciar os jovens na arte da resistência passa, assim, por ajudá-los a dar nome às silhuetas fátuas, que esperam deles a reacção por impulso — que não teriam no mundo das pessoas que se olham nos olhos — em troca do aplauso vazio, da "pequena glória", que os leva a abdicar de ser quem são. Não estou aqui, portanto, para alinhar em cruzadas contra as redes — Como posso? Eu próprio participo na gestão desta página e de outra no Facebook >>>! —, mas de procurar uma via que encaminhe os jovens para a resistência aos "cretinos digitais", de que fala Michel Desmurget, através da cultura, do conhecimento, em vez da imposição de proibições e interdições a torto e a direito.
A literatura em todos os seus géneros — o romance, o ensaio, a poesia… — é instrumento fundamental neste processo de resistência. «Ponham-nos a ler» — aconselha Desmurget. Leiam com eles este poema — digo eu — para início da conversa, com todas as vozes que o servem e formos capazes de encontrar. E depois... ver no que dá: talvez, quem sabe, a publicação de um blog, um canal no YouTube para partilhar leituras, uma página no Facebook (sim, no Facebook), só que assumidamente local de resistência a "grunhos".
MAIS UMAS NOTAS A PROPÓSITO
Leio Pacheco Pereira dizer que «hoje o consumo da política, fundamental em democracia, mudou-se para locais mal frequentados como as redes sociais. Uma geração está a crescer nesta ecologia e não vai ser grande coisa». E, mais adiante, diz que «resistir é o único verbo com dignidade»[3]. Sendo impossível impedir os jovens de entrar nestas redes, não sei como, ao deixá-los a crescer sozinhos para a política nestes lugares, aprenderão a conjugar o verbo resistir. Se não for num lugar protegido como a sala de aula, não será na família, seguramente, que irão aprender a conjugá-lo, a protegerem-se dos perigos da selva, que se expande nas redes, onde navegam sem controlo.
Dou conta de todas as cruzadas contra o digital na escola, de todas as interdições e proibições, e recuo a 2020: um país que se fecha e encerra as famílias em suas casas, a procura de alternativas aos espaços físicos escolares — os grupos no WhatsApp, no Facebook e as mais diversas plataformas nas quais nos mantivemos ligados — a necessidade de repensar a escola..., e interrogo-me: teremos aprendido alguma coisa?
«Implacável, impiedosa, esta crise pôs em destaque todas as fraquezas de um sistema obsoleto» — dizia Rodrigo Arénas, em Outubro de 2020 — (...) «Neste caos, vivemos sobretudo uma escola desadequada ao mundo em que vivemos, ultrapassada na marcha do tempo. (...) A tecnologia digital está também a mudar a escola que, ao resistir [por impulso] à mudança, é incapaz de fornecer o básico».
É surpreendente verificar (ou talvez não seja tão surpreendente quanto isso) que as grandes cruzadas contra as redes sociais tenham o seu eco mais estridente, precisamente, nestas redes, com os efeitos que se conhecem![4] O nosso foco precisa, então, centrar-se não nas redes mas no que acontece nas redes, o que só no interior destas redes, faz sentido centrar. E isto faz-se, entre outras acções, levando os nossos alunos à atitude do militante que se dispõe, com a nossa ajuda, a contactar os gestores destas plataformas para denunciar as práticas de que são alvo — o discurso de ódio, a desinformação, a mentira... — a organizarem-se em movimentos de resistência, recusando que sejam outros a resistir por eles.
Daniel Lousada

Sem comentários:
Enviar um comentário