quinta-feira, 23 de outubro de 2025

«Distância»: um poema que ensina a resistir

Um poema como pretexto, para início de conversa com os nossos jovens, sobre a vida que (não) têm nas redes sociais.

Reconhecendo o perigo das redes sociais, «a Organização Mundial de Saúde sublinha que os jovens precisam dominar as redes sociais e não deixar que as redes sociais os dominem». Precisamos, portanto, de capacitar os jovens para a resistência. O desafio está na ausência de um caminho óbvio, «tanto mais que muitos deles já estão condicionados pelo tipo de prática que têm tido» [1].

É para este contexto que encaminho o meu reencontro com Distânciaum poema de João Habitualmente, e, talvez porque me encontro agora com ele na página do facebook do poeta, dois anos depois de o ter lido no livro, vejo-me a lê-lo como uma espécie de hino à resistência, manifesto contra a alienação, a sedução fácil, à qual jovens e menos jovens se deixam agarrar, principalmente no mundo destas ditas redes sociais, para o qual parecem transferir uma parte importante das suas vidas. E, seguramente influenciado pelo verso «O poema ensina a cair», de Luiza Neto Jorge [2], surpreendo-me a dizer: o poema ensina a resistir.

O poema pode mesmo ensinar a resistir, ser acto de resistência, para o qual é importantíssimo ensinar a olhar. Ensinar a dizer, por exemplo, «Cansei-me das pequenas glórias / (…) de me dizerem quem sou / (…) / a nada mais aspiro / do que à distância / (…) / lugares longe / (…) / que não haja / o que a silhueta fátua e o / aplauso / me andaram a roubar ».

Iniciar os jovens na arte da resistência passa, assim, por ajudá-los a dar nome às silhuetas fátuas, que esperam deles a reacção por impulso — que não teriam no mundo das pessoas que se olham nos olhos — em troca do aplauso, da "pequena glória", que os leva a abdicar de ser quem sãoNão se trata, portanto, de alinhar em cruzadas contra as redes, mas de ensinar os jovens de resistir aos "cretinos digitais", de que fala Michel Desmurget, e que só conhecendo a massa de que são feitos, será possível enfrentar com sucesso. A cultura — a literatura, de um modo geral, e a poesia, em particular — são instrumentos fundamentais neste processo de resistência. Uma acção que, acredito, só pode ser liderada pela escola. Até porque, como refere António Dias de Figueiredo, se não for a escola a assumir a liderança do processo, não será, seguramente, a família a fazê-lo.

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[1] António Dias de Figueiredo — VER >>>
[2] Luiza Neto Jorge, in Poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001: p. 141.

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