quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Para um trabalho de texto à partir de 4 "haikus" com crianças crescidas

Este texto é uma reescrita Ágora Gaia, com objectivos didácticos, de "Sobre haikus" de Gonçalo M. Tavares, que serve de introdução ao seu livro
Tempestade e motor. 100 haikus.
Não temos como objectivo ensinar a escrever haikus, mas de trazer para a nossa escrita um pouco da sua técnica: aprender a fazer incidir sobre cada palavra o máximo de luz que formos capazes, de fazer incidir eliminando o supérfluo.

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A ARTE DO HAIKU

Quando bem feita, toda a concentração aumenta a intensidade da força e diminui o espaço ocupado. Estamos em menos espaço, mas com mais poder. Como se existissem dois movimentos inversos com sincronização perfeita: cada palavra eliminada aumenta a força das palavras que ficam. Eis uma possível definição de haiku.

Trata-se também de uma questão de luz. Se supusermos que há uma luz única, de quantidade fixa, falemos assim, que incide sobre um texto — e há mesmo: a luz natural, a luz da lâmpada —, poderemos então pensar que, num número reduzido de palavras, cada palavra recebe mais quantidade de luz; é mais iluminada. E se estivermos atentos aos vários sentidos da expressão «estar iluminado», poderemos pensar em palavras (focos de luz) que nos indicam o caminho quando, no meio da nossa vida, perdidos na floresta, nos encontramos. Em plena escuridão, um pequeno ponto de luz. deixa de ser uma questão material, explicável pela física, e passa a ser uma questão metafísica e existencial; ela não apenas me permite ver: salva-me. 

O haiku opera no espaço e também em outras dimensões. Cruza iluminações súbitas com rápidas transições de tempo; como se dezassete sílabas não fossem dezassete sílabas, mas um romance de muitas páginas, páginas suficientes para sentirmos o tempo que passa. 
O tempo é precioso, eis o que as boas normas da delicadeza dos haikus há muito estabeleceram. 

Se pensarmos com a fita métrica na cabeça, diremos que há pouco para ler, no entanto a leitura de um haiku é muito mais lenta do que o normal. Ler um haiku é, de certa maneira, voltar de novo à experiência de aprender a ler, de ler como uma criança — letra a letra —, como se a visão fosse menos ver do que tocar. Ler um haiku é, com os olhos, admirar o trabalho de um eventual escultor; com os olhos seguir cada uma das linhas das letras que estão a ser de novo feitas quando as fixamos. 

COMO LER UM HAIKU CONTEMPORÂNEO?

OUVIR >>>
Os olhos modernos ao ritmo da lentidão antiga.
— Uma outra hipótese: a cada haiku, leitor suspende o olhar sobre a folha, levanta-se e dá alguns passos em redor da sala ou mesmo da própria casa.
— Depois regressa. E lê outro haiku. E procede, a seguir, da mesma maneira: suspensão da leitura e breve caminhada.

Eis então o trabalho do leitor dos haikus clássicos: ler lentamente o pouco que há para ler. Depois, longamente ficar de cabeça levantada, fixa no vazio, até que a imagem a que as palavras aludem se torne propriedade desse leitor que dá o tempo e a atenção certos para que o recebido se torne seu.

Iluminar, concentrar, tornar mais forte cada palavra: exigir atenção, impor outro ritmo ao leitor, obriga-lo a desviar os olhos das direcções comuns. Em suma, dar a conhecer o prazer corporal da desaceleração, da lentidão lúcida, eis a arte do haiku.

EIS A PROPOSTA:

Escrever algo aproximado aos haikus, sim, próximo, apenas isso — nada mais do que isso, uma vizinhança —, vizinho por vezes bem afastado, outras vezes um pouco mais ali, ombro com ombro. Linhas de escrita, não direccionadas (apenas) para a natureza, como dita a tradição, mas para o gesto simples e decisivo que orienta a nossa vida.

Nem dezassete sílabas, nem outras leis; longe das belas regras estritas, aqui apenas um ritmo a três compassos lentos

Uma vizinhança apenas, embora mantendo o nome; assuntos distintos, outro ritmo outra direcção.

Gonçalo M. Tavares

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Não se trata de ensinar a escrever haikus, mas de trazer par a nossa escrita um pouco da sua técnica: fazer incidir sobre cada palavra o máximo de luz que formos capazes de fazer incidir, eliminando o que é supérfluo; não querer dizer tudo, quando há sempre algo mais a ser dito; concentrar o máximo em cada palavra, abrir espaço ao que haveria a dizer, se tivéssemos palavras para dizer-lo — uma das funções de qualquer poema, afinal.

De certa forma é isto que vejo, por exemplo, no "Atlântico" de Sophia de Mello Breyner:
Mar / metade da minha alma é feita de maresia

Atrevendo-me a assassinar o poema num exercício — treino da técnica, apenas, do haiku —poderia escrever:
Mar
cheiro a maresia
 — a minha alma

E fazia, assim, o poema um pouco meu, se a minha ligação ao mar fosse assim tão intensa. Mas não é... O mar fascina-me porque é junto dele que me sinto mais próximo do horizonte.
Mar
o mar aqui
tão perto

Dê Éle

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